Mal sabia Junão que ele seria em 2024 o que José Eduardo foi em 2020: a maldição do efeito “Orloff”
O saudoso, sarcástico e inteligentíssimo Jô Soares, que nos deixou há pouco tempo, costumava dizer, com sua habitual acidez de veludo: “a corrupção não é uma invenção brasileira, mas a impunidade é uma coisa muito nossa”. Vivo fosse e conhecesse a longa história de pilhagem sobre o Departamento de Esgoto (o trocadilho é inevitável) e Água de Guaíra (SP), terra natal deste escriba; Jô poderia muito bem adaptar seu genial aforismo e disparar: “a corrupção não é uma invenção dos guairenses, mas a pilantragem no Deágua é uma coisa muito deles”. Engana-se, numa espécie de inocência interessada, quem imagina que o “Escândalo do GAECO” - a operação de contornos golpistas que arrancou José Eduardo do poder sem nunca ter conseguido provar (e já se vão três anos) o envolvimento do primeiro prefeito reeleito da história da cidade – será o pivô das batalhas mais sanguinárias do aguardado e imprevisível “Duelo de Titãs”. “Sabe de nada, inocente”. Alvo preferido da pilhagem de pilantras, será o Deágua, muito além do Caso GAECO, o tema central da guerra napoleônica que será travada entre o filho de Dona Edna e o filho de Dona Eliza. Histórias pregressas e crimes presentes não faltam. É o que veremos a seguir.
PROVAS DO CRIME ENTERRRADAS, SERVIDORES E DIRETOR DEMITIDOS POR JUSTA CAUSA E UM ROMBO DE MAIS DE R$ 3 MILHÕES
A prostituição e a corrupção sempre disputaram o invejável título de profissão mais antiga do mundo. Há controvérsias sobre quem nasceu primeiro: a galinha da luz vermelha ou o ovo escondido na mão boba. Não é por outra razão que o Deágua figura no panteão atemporal da pilhagem permanente. Entra prefeito, sai prefeito; explode escândalo e gente é condenada; e a autarquia continua lá, à disposição dos gatunos. Com o perdão do trocadilho, o esgoto do departamento de esgoto começou a boiar lá atrás, na primeira metade dos anos 2000. Naquela época o então prefeito Sérgio de Mello, já desconfiado, logo após assumir a prefeitura, de que o departamento era um covil de malandros, desbaratou o que se conhece até hoje como o maior escândalo de corrupção da história do município. O escândalo bem que daria para um roteiro de “True Detective”. Provas do crime enterradas (sim, enterradas mesmo) nos arrabaldes da cidade, servidores e diretor da autarquia demitidos por justa causa e um rombo de quase de R$ 4 milhões. É preciso dizer, para o bem de toda a verdade, que não faltou coragem ao prefeito Sérgio de Mello. O petista instalou câmeras de vídeo para pegar os larápios com a mão no butim e cortou todas as cabeças envolvidas. Detalhe: o diretor da autarquia era cria “tecnocrata” do vice de Sérgio à época, Aloízio Lelis Santana. Mello nem piscou em mandar todos para o olho da rua a bem do serviço público. Como costuma acontecer no Brasil de Jô Soares, os servidores de baixo escalão envolvidos foram condenados mas o diretor da autarquia, igualmente demitido em processo administrativo aberto por Sérgio, acabou inocentado na esfera criminal.
MALANDRAGEM GROSSEIRA
Quem imagina que naquela época o Deágua foi pilhado por um sofisticado esquema de desvio de recursos públicos se assusta quando é confrontado com o “modus operandi” dos “mãos bobas” daquele tempo. A sensação de impunidade e a cultura arraigada do patrimonialismo, que confunde o público com o privado desde o Brasil Colônia; produziu uma quadrilha de larápios mansos dentro de autarquia. Como funcionava a tunga: o contribuinte, este ser que existe para ser roubado, pagava as contas de água e os funcionários envolvidos fingiam autenticá-las. Porém, entretanto, contudo...no fim de dias tão inocentes quanto Madre Tereza rezando pelos descamisados, os valores eram “estornados” e iam direto para o bolso daquela “boa gente” atrás do balcão. Para isso era usado um prosaico pedaço de papel por baixo das contas para esconder a marca da autenticação. O papelzinho esperto desviou a bagatela de R$ 3,5 milhões do dinheiro público. Não é lindo isso?
“ESTOU PRECISANDO GANHAR...VOCÊ NÃO VAI ME TRAZER A SORTE?”
Com se sabe desde o berço da civilização, quando os mesopotâmios ainda davam as cartas nesse mundo cão; ninguém respeita quando se sabe que a casa é da mãe Joana. Sempre foi assim com o Deágua. No passado, quando Sérgio de Mello descobriu a pilhagem do “papel mágico” e decapitou os vendilhões do templo; e no presente, quando Junão demorou dois terços de seu mandato-tampão para colocar no olho da rua quem jamais deveria ter entrado no olho do furacão. Como já dissecado aqui, em artigo recente, Junão, o “caçador de corruptos” que chegou ao poder para (sic) “limpar a prefeitura”, nomeou para o cargo de diretor do Deágua o mais direito de seus braços, que coordenou sua campanha vitoriosa oportunista, José Mauro Caputi Júnior. Caputi, que já havia sido diretor da autarquia durante o longínquo Governo José Carlos Augusto (o mesmo que depois foi “ministro da fazenda” do Governo José Eduardo), voltou ao departamento trazendo consigo um “pupilo” que acabaria ficando conhecido, por obra e mérito de sua “fina inteligência”, como “o homem da sorte”. O pupilo de Caputi foi flagrado, em áudios que gritam de tão comprometedores (encaminhados ao Ministério Público , que investiga o caso) quanto emblemáticos sobre a persistente sensação de impunidade que cerca a alquebrada autarquia. O escárnio era tanto que o “homem da sorte” sequer se preocupava em cobrar o “faz-me rir”. Esta coluna tem todas as gravações (exatamente as mesmas que estão nas mãos do MP). É de embrulhar o estômago. A desfaçatez era de tal envergadura que até nome a propina tinha: “sorte”. Daí a alcunha do pupilo espertinho. A certa altura das dezenas de gravações que estão nas mãos do ministério público, o funcionário em cargo de confiança do departamento cobrava a changa com a tranquilidade de quem masca um chiclete: “estou precisando ganhar...você não vai me trazer a sorte não”? A cereja do bolo estragado: a tunga do Deágua sob Junão foi tão rudimentar quanto a de vinte anos atrás, quando Sérgio de Mello expôs as vísceras da autarquia. O “homem da sorte” vendia, sempre na maior “inocência”, suspensões de corte de água para inadimplentes mediante o repasse de também “inocentes” pixes para sua conta pessoal. A gente entende. Para fazer alguém rir é preciso rir primeiro. Tudo como manda o figurino vagabundo do patrimonialismo brasileiro. Depois de agraciado com a “sorte” transferida por contribuintes desesperados , o pupilo sortudo entrava no sistema, colhia assinaturas de autorização (que ainda estão sendo investigadas) e suspendia o iminente corte no abastecimento. Arrasadoras, as gravações derrubaram o pupilo mas Junão, o “caçador de corruptos” , tentou poupar seu ex-coordenador de campanha empurrando o inevitável com uma barriga cínica. Não conseguiu. Caputi (sobre o qual , é preciso deixar claro, ainda não foi comprovada a cumplicidade no esquema) caiu, “coincidentemente”, depois que a candidatura de José Eduardo foi aqui antecipada, com exclusividade. Uma “casualidade”, é claro. A gente sabe que “nem passou pela cabeça de Junão” o problemão que seria manter um “companheiro” suspeito de conivência com a gatunagem no Deágua e sustentar, ao mesmo tempo, o discurso de desconstrução contra José Eduardo, o único adversário que, desde sempre, tem estofo para derrotar o filho de Dona Eliza. Tarde demais.
GAECO OU DEÁGUA? OU AINDA ASSISTÊNCIA SOCIAL?
Como se vê, a indisfarçável intenção de manter seu Diretor do Deágua, que só foi demitido depois da revelação da candidatura de José Eduardo, já criou , de forma indelével, um nó górdio no discurso “moralista” de Junão. Onde estava, afinal, Junão, o homem cuja palavra “não tem curva”, quando ficou-se sabendo que homens de sua confiança vendiam indulgências dentro do departamento? Onde estava (assunto para artigo futuro), afinal, o implacável Antonio Manoel quando, só depois de obrigado pelo Ministério Público, afastou sua coordenadora de Assistência Social, Maria Adriana, flagrada numa rede de condutas condenáveis no coração da pasta destinada a cuidar dos excluídos?
AMANHÃ COM GOSTO DE ONTEM
Os mais experientes, entre os quais, o próprio José Eduardo, sempre apostaram que a presença de Junão no exercício do poder público, algo inédito para o ainda inexperiente e reativo prefeito-tampão; acabaria por contaminar prematuramente sua biografia. Estavam certos. Para quem entende de política e sabe realmente como as coisas funcionam numa campanha, Junão perdeu, precocemente, o direito de posar de paladino da moralidade. O rei está nú. Dá até para imaginar José Eduardo, evocando o conhecido “Efeito Orloff”, olhando para Junão, ainda em 2020, e disparando, com aquela certeza de quem , na política, já viu até elefante voar: “eu sou você amanhã”. Sim, o amanhã chegou para Junão. Com gosto de ontem.
EFEITO ORLOFF
Na imagem deste post, inteligência artificial mostra primeiro José Eduardo visto por Junão e avisando, lá em 2020, ao lado de uma garrafa de vodka Orloff: “eu sou você amanhã”, tal qual no comercial dos anos 80 que celebrizou a qualidade da marca de vodka. Na sequência, o próprio Junão, do outro lado da mesa, incrédulo, com o copo vazio, escutando o vaticínio. Não deu outra. A vingança do destino, saboreada em cada gota por José Eduardo, não precisa de copos cheios para derrubar pretensiosos.