Os casos de violência de gênero continuam escalando no Brasil. Dados reunidos pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostram um salto de 14,9% nos casos de estupro e 2,6% nos feminicídios em 2022, na comparação com o ano anterior. E a tendência de crescimento segue implacável. Em 13 de novembro do ano passado, o Fórum divulgou o balanço do primeiro semestre de 2023. Embora os registros de homicídio em geral registraram queda (-3,4%), os feminicídios tiveram alta. Foram 2,6% a mais em 2023 do que nos primeiros seis meses de 2022: 722 assassinatos no total, o maior número da série histórica. É nesse contexto aviltante de violência contra a mulher e que exige, no mínimo, posturas exemplares do poder público no combate ao “império dos valentões”, que o prefeito de Guaíra (SP), Antonio Manoel da Silva Júnior, mantém na ativa um Guarda Civil Municipal condenado por agressão à esposa. Sentenciado em fevereiro, o GCM Márcio de Gouveia passou mais de dois meses em prisão preventiva na Penitenciária II de Tremembé (SP), para onde foi transferido depois de reiteradas agressões à companheira, a psicopedagoga Aretusa Garcia. Os episódios mais graves de agressão foram registrados nos dias 21 de setembro e 9 de dezembro do ano passado, conforme os autos de flagrante delito aos quais a coluna teve acesso e divulgados neste post. A imprensa local, silenciada pelas “amistosas” relações com o poder público, não deu um pio em nenhuma das duas aterrorizantes ocasiões. Ato contínuo, o chefe do executivo que assediou moralmente e aos berros (conforme aqui também revelado) servidoras que se opuseram à prática de ilegalidades dentro da prefeitura da cidade, é exatamente o mesmo que sequer, em nenhum momento, se manifestou publicamente sobre a ocorrência nem tão pouco prestou solidariedade à vítima. O silêncio ensurdecedor e a indiferença covarde do prefeito Antonio Manoel em relação ao caso de agressão à mulher envolvendo um Guarda Civil de seu governo diz muito ou quase tudo sobre como a atual administração guairense se comporta diante de questões de gênero. Prepare, pela enésima vez, o estômago. A verdade é quase sempre inconveniente, indigesta e devastadora.
EMPURRÕES, SOCOS NO ESTÔMAGO, CHUTES NA PERNA , DESMAIOS E VÍDEO DAS AGRESSÕES
A violência sofrida pela psicopedagoga dentro de casa e na frente das filhas do primeiro casamento (duas delas menores) exibe a mesma crueza e a exata crueldade que desfila nas obras irretocáveis do mestre Nelson Rodrigues, o anjo pornográfico autor, entre outros, de “Toda Nudez Será Castigada” e “A Vida Como Ela É”. Os episódios de agressões à Aretusa Garcia são ligados por um mesmo fio condutor: a recusa da esposa em permitir que o marido saísse de casa, à noite, para consumir drogas ilícitas. A coluna conversou com Aretusa. E ela deixou claro e com riqueza de detalhes, porque apanhou em setembro e dezembro. “QUANDO PERCEBI, NAS DUAS OCASIÕES, QUE ELE IRIA SAIR PARA COMPRAR DROGAS, EU TRANQUEI O PORTÃO E ESCONDI A CHAVE DO CARRO. ELE ENLOUQUECEU E VEIO PARA CIMA DE MIM”. As cenas das primeiras agressões, em setembro, foram gravadas em vídeo por uma das três filhas do primeiro casamento de AretuSa. O VÍDEO, QUE A COLUNA JÁ ASSISTIU, É ESTARRECEDOR. No dia 21 de setembro do ano passado, estavam na mesma casa a própria AretuSa, o GCM Gouveia , duas de suas três filhas e um genro, um garoto de 20 anos. A filha mais velha, a única maior, estava na faculdade. Assim que tentou impedir o marido de sair, segundo ela, “PARA EVITAR QUE ELE FOSSE COMPRAR DROGAS NUMA BIQUEIRA DA CIDADE”, a violência começou. Ao perceber que a mãe estava em perigo, as duas filhas presentes tentaram impedir (auxiliadas pelo genro de Aretusa) que Gouveia machucasse a psicopedagoga. Não conseguiram. O VÍDEO GRAVADO DA CENA MOSTRA ARETUSA DESMAIADA JUNTO À PAREDE DA SALA DA CASA E AINDA SENDO AGREDIDA PELO GCM ENQUANTO AS FILHAS MENORES, DESESPERADAS, E O GENRO, IGUALMENTE ATÔNITO, TENTAM AFASTAR O AGRESSOR, QUE HÁ JÁ HAVIA DESFERIDO SOCOS NO ESTÔMAGO, CHUTES NA PERNA E EMPURRÕES NA VÍTIMA. HÁ XINGAMENTOS E VIDROS QUE SE QUEBRAM DURANTE A LUTA CORPORAL DOS TRÊS CONTRA GOUVEIA DIANTE DO CORPO DESFALECIDO DE ARETUSA. O barulho e os gritos de socorro fazem os vizinhos ligarem para a polícia. Preso em flagrante, o GCM acabou tendo a prisão relaxada. Não sem antes ter seu porte de arma revogado e ser obrigado, por medida protetiva ,a manter uma distância mínima de 100 metros da vítima, dali por diante. Não adiantaria. Menos de meses depois, o Guarda Civil Municipal que acabaria mantido pelo prefeito em suas funções, agrediria novamente a psipedagoga. De novo em casa. De novo com violência física. De novo por ter sido impedido por ela de sair para, mais uma vez segunda a mulher, “comprar drogas”. É o que se verá no próximo tópico.
SOCOS NA CABEÇA, MURROS NA ORELHA E NA BOCA, TÍMPANO ROMPIDO E SANGUE PELO CHÃO
A violência continuada do Guarda Civil Municipal teria um segundo e trágico episódio. Menos de dois meses depois de sua primeira prisão em flagrante, o GCM voltaria a agredir Aretusa. Era 9 de dezembro, a dezesseis dias do Natal. A psicopedagoga, apesar das agressões de setembro e das medidas protetivas contra Gouveia, resolveu dar uma nova chance ao “amor” e acolheu novamente o GCM em casa. Estava cometendo um erro do qual se arrependeria amargamente. Ao notar, naquela data, que mais uma vez o companheiro iria, segundo ela, “SAIR PARA COMPRAR DROGAS”, Aretusa agiu da mesma forma que havia feito em setembro: trancou o portão e escondeu a chave do corro. Estava acontecendo tudo de novo. Enfurecido, o GCM novamente passou a agredir a esposa, com quem, apesar dos acontecimentos pregressos, ainda estava casado. Dessa vez foram socos na cabeça, murros na orelha e na boca, um tímpano rompido e gotas de sangue pelo chão. As fotos da agressão estão publicadas como imagens neste post e revelam, na crueza dos ferimentos, como mulheres e esposas continuam desfilando num Brasil machista , na passarela da violência doméstica. Os gritos por socorro novamente levaram a polícia ao local do crime. Dessa vez, contudo, a coisa complicou muito para o agressor. Os policiais encontraram cocaína no carro do GCM, conforme descrição dos acontecimentos e depoimentos na sentença que condenaria Gouveia. Abre aspas: “NO MESMO SENTIDO O DEPOIMENTO DE SEU COLEGA DE FARDA, RAFAEL, QUE AINDA CONTOU QUE ENCONTRARAM DUAS PORÇÕES DE COCAÍNA NO AUTOMÓVEL DO ACUSADO”. Laudo pericial do Núcleo de Perícias Criminalísticas de Ribeirão Preto , com imagem também divulgada neste post, confirmaria a substância nos “pinos” (pequenas embalagens) encontrados. Preso mais uma vez em flagrante, a pedido do Ministério Público, o GCM teve A PRISÃO CONVERTIDA EM PREVENTIVA. O guarda civil passaria mais de 70 dias preso preventivamene na Penitenciária II de Tremembé (SP), para onde foi transferido. Gouveia seria sentenciado em fevereiro. A seguir, os detalhes.
A SENTENÇA
No último dia 23 de fevereiro saiu a sentença do GCM. A justiça o absolveu da acusação de descumprimento de medida protetiva (artigo 24-A), por entender que a vítima (Aretusa) concordou em recebê-lo em casa, mesmo diante da restrição. A justiça também o absolveu da acusação de ameaça, por não encontrar provas nesse sentido. Entretanto, a justiça o CONDENOU por lesão corporal. Não houve a tipificação (enquadramento) na Lei Maria da Penha, pelo fato do juízo entender que as agressões ocorreram no âmbito de “discussões envolvendo o casal”, “prevalecendo, o réu, da relação doméstica” e não , simplesmente, por razões de condição do sexo feminino. A pena foi de três meses de detenção, em regime aberto, com as seguintes condições: GCM está proibido de frequentar bares, proibido de ausentar-se da comarca em que reside por mais de 5 dias sem autorização da justiça e está obrigado a comparecer , a cada três meses, diante do Juízo de Execução, para justificar suas atividades. Logo após a condenação, Gouveia voltou a trabalhar como Guarda Civil Municipal, agora fora das ruas. O GCM despacha no período noturno na sede da Guarda, na sala de câmeras de monitoramento.
SIM, TODOS MERECEM UMA SEGUNDA CHANCE MAS ARETUSA, A VÍTIMA, E SUAS FILHAS TRAUMATIZADAS, MERECIAM, NO MÍNIMO, A SOLIDARIEDADE E UMA MANIFESTAÇÃO PÚBLICA Do “COMANDANTE-EM-CHEFE” DA GUARDA, O PREFEITO MUNICIPAL
Ainda que legal, o retorno do GCM que agrediu a mulher às atividades na corporação com tamanha rapidez e ainda durante o início do cumprimento da pena (a tinta da caneta do juiz ainda nem secou) é moralmente questionável. Como seria indecente e inaceitável colocá-lo nas ruas novamente, dentro de uma viatura, o Governo Antonio Manoel deciciu alocá-lo administrativamente. Ainda assim, é de se perguntar o que passaria na cabeça do GCM ao visualizar, pelas câmeras que gerencia na sede da Guarda, uma cena de agressão à mulher. Ou então, uma cena de uso de entorpecentes. Haveria a isenção e o distanciamento necessários a um agente de segurança? Não há resposta fácil. Se, de fato, consciente de seus erros, o GCM pode encontrar no trabalho um dos caminhos para sua recuperação. Sim, todos merecem uma segunda chance. MAS E A VÍTIMA? E AS FILHAS MENORES DA VÍTIMA, TRAUMATIZADAS COM OS EPISÓDIOS DE VIOLÊNCIA? A MAIS NOVA, QUE CHORAVA E GRITAVA AO TENTAR DEFENDER A MÃE NO VÍDEO ESTARRECEDOR AO QUAL ESTA COLUNA TEVE ACESSO, É HOJE PACIENTE DE TRATAMENTO PSICOLÓGICO. DIANTE DE TODA ESSAS CONSEQUÊNCIAS O SENHOR PREFEITO-MUNICIPAL, “COMANDANTE-EM-CHEFE” DA SEGURANÇA PÚBLICA MUNICIPAL, QUE MANTEVE O GCM AGRESSOR NA ATIVA, SEQUER PISCOU DIANTE DOS HEMATOMAS DE ARETUSA E DAS FRATURAS PSICOLÓGICAS DE SUAS FILHAS. Agiu, desde sempre, como se não estivesse acontecendo nada dentro de uma corporação municipal que existe, entre outras coisas, para proteger o cidadão, seja ele quem for e com qual gênero se identificar.
SOBRE “VALENTÕES” E “VALENTINHOS”
Um conhecido provérbio árabe ensina: “não pressiones demais o covarde que ele vira valente”. Foi assim que pressionado por mulheres corajosas que resistiram às suas pressões por ilegalidades, o senhor prefeito municipal virou um “valentão”: gritou com elas, as assediou moralmente, as humilhou e as demitiu do serviço público. “Valentão” diante de mulheres, Antonio Manoel parece transformar-se em um “Valentinho” quando se trata de homens; entre os quais aqueles que agridem mulheres. Poderia também haver, entre os provérbios árabes, um que sentenciasse: “covardes atraem covardes”. O prefeito que manda para o olho da rua as servidoras que o desafiam é exatamente o mesmo mantém na ativa agentes de segurança que agridem mulheres.
“CÉSIO 137”
Diga-se mais: a covardia, entre os valentões, é contagiosa. Nesta quinta, 14 de março, Aretusa Garcia passou a manhã fazendo uma romaria para devolver, conforme tratativa de sua separação de Gouveia (assinada ontem diante de autoridades judiciárias), documentos pessoais do ex-companheiro que ainda estavam em sua casa desde a última agressão. Na audiência de “conciliação” em que se consignou a separação, a psicopedagoga foi orientada a devolver os pertences do GCM na sede da Guarda. Lá, ninguém quis colocar as mãos na pasta verde com elástico preto. Aretusa então dirigiu-se à prefeitura e tentou ser atendida pelo Diretor de Justiça, Adalberto Omoto. Foi informada, pela secretária, que “o doutor só tem vaga na semana que vem”. A pasta com os documentos de Gouveia parece ter se tornado um fragmento radioativo de Césio 137, no qual ninguém do Governo Antonio Manoel quer colocar a mão. Talvez seja porque sempre atraídos, os covardes, quando ameaçados pelo peso da verdade, dão sempre um jeito de se repelir. A contragosto, é claro.