A arte de penetrar a sensibilidade das pessoas com patas de elefante
Não tenho, ao contrário de ex-prefeitos que compartilham, com orgulho (jeca?), as “obras” de suas cabeceiras; nenhum interesse em livros de autoajuda. Trata-se de um gênero literário menor, de pouca profundidade e inúmeras obviedades escritas como se fossem caminhos sagrados capazes de levar almas angustiadas ao Santo Graal. Em sua maioria, não passam de charlatanices impressas. Como bem analisado em tese de mestrado da Universidade Federal da Paraíba disponível em repositório institucional (agora os jecas fundem o que chamam de cérebro) do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, “o gênero literário de autoajuda é um fenômeno editorial de massa - produto da indústria cultural – consumido por milhares e milhares de leitores (jecas?) em todo o mundo. Tal gênero é composto de manuais, ensaios, narrativas, depoimentos individuais etc, por meio dos quais, o mercado editorial – que domina este tipo de produção textual – comercializa fórmulas, técnicas, conselhos, enfim, ensinamentos diversos para superação (sic) dos problemas que afligem o indivíduo na modernidade. Os procedimentos linguísticos que dominam a estrutura dos textos de autoajuda são formulados a partir de premissas apelativas, que visam a facilitar a circulação e a recepção dos referidos textos, junto ao público leitor, consumidor de aconselhamentos de caráter messiânico”. Trocando em miúdos divertidos, quem consome autoajuda tem poucas chances de se diferenciar dos jumentos crédulos que lotam auditórios para ouvir “coachs” cretinos como Pablo Marçal. Ato contínuo, quem consome autoajuda não está muito distante do continente mental de quem quase vai ao orgasmo ao saber da possibilidade de fazer fotos ao lado do “01” e do “02”. Dito tudo isso, é preciso também afirmar que toda regra tem sua exceção. É por isso que vos apresento, neste post “inocente”, o único livro de autoajuda que me permito consultar quase que diariamente. Escrito no início da década de 40 pelo americano Irving Tressler, “Como Perder Amigos e Aborrecer Pessoas” é, entre tantas outras amenidades da sinceridade devastadora, um manual bem humorado sobre como podemos, nessa vida trágica e bandida, de forma diligente, perder “amigos”, especialmente os despreparados para ouvir o que precisam mas que preferem a adulação diária de lacaios tão profundos quanto uma gilete no asfalto. Tressler mostra que a técnica para aborrecer pessoas (entre as quais, jecas, estúpidos, matutos e toda sorte de orgulhosos da própria ignorância) passa , necessária e simplesmente, por dizer a verdade. E este sempre foi o papel assumidíssimo deste que vos aborrece, quase que diariamente.
A ARMADILHA DE CERCAR-SE DE ADULADORES BARATOS ENQUANTO SE BAJULA CRIMINOSOS E SE DEVORA UM BOI NO ROLETE
É nesse contexto inacreditável que José Eduardo vive seu atual e estranho momento. Na mesma data em que o ex-prefeito acusado de formação de quadrilha oferecia uma boi no rolete em sua propriedade rural durante Dia de Campo em que ventilou-se a possibilidade infame da presença de membros do clã criminoso dos Bolsonaro; aqui em Brasília o ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência durante o governo golpista, Alexandre Ramagem, era alvo de operação da PF que descobriu que a ABIN, uma instituição de estado, era usada para espionar autoridades, políticos e jornalistas. Sim, Jair Bolsonaro, futuro presidiário e ídolo tardio de José Eduardo, comandava, no Palácio do Planalto, ações criminosas de espionagem, uma espécie de “Stasi”, a política política que assombrou a Alemanha Oriental durante os anos de Guerra Fria. Na mesma data em que aduladores baratos, puxa-sacos , figuras “imaculadas” envolvidas no escândalo do Gaeco e produtores rurais bolsonaristas devoravam, faceiros, um boi no rolete oferecido pelo ex-prefeito que um dia já foi um social democrata; aqui no Distrito Federal Valdemar da Costa Neto, o mensaleiro presidente do PL (o novo e conservador partido de José Eduardo) saía em defesa de Ramagem com a desfaçatez própria dos gângsteres. Refém da falsa “certeza” de que os guairenses são bolsonaristas convictos (como se não existisse vida inteligente na cidade e apenas os jecas frequentassem as cabines eleitorais), José Eduardo se dispõe, mesmo enfrentando processos pesados de corrupção na justiça, renunciar ao que se espera de sua estatura intelectual, para entregar-se de corpo e alma, ao que há de mais abjeto no setor agropecuário: a devoção cínica e oportunista a Jair Bolsonaro, o mercador de joias roubadas que provocou, com seu negacionismo e ignorância, a morte de mais de 400 mil brasileiros durante a pandemia da Covid-19. O mesmo Jair que, autoritário e fascista, incentivou milhares de tolos a se aventurarem na tentativa de golpe do 8 de janeiro e que hoje estão puxando 16, 18 e até 20 anos de cadeia.
SIM, AQUI SE PERDE AMIGOS E SE ABORRECE PESSOAS. COM MUITO PRAZER
A maior tragédia dos detratores deste escriba é a consciência que eles têm (por incrível que isso possa parecer considerando suas sérias limitações cognitivas) de que não podem fazer absolutamente nada para impedir que aqui se fale, se escreva e se critique o que costuma ser varrido para debaixo do tapete em comunidades provincianas, fundadas na indulgência com o malfeito, na jequice dos costumes, na covardia oportunista e no orgulho da própria ignorância. Pior. Os que acham que sabem algo sobre mim não conseguem ultrapassar o campo empoeirado das lembranças de trinta anos atrás. Não conhecem, ignorantes como bigornas de ferreiros medievais, minhas conquistas, minhas vitórias, meus fracassos, minhas alegrias, minhas tristezas, meus sucessos, minha evolução, meus investimentos em conhecimento especializado, meus relacionamentos, minhas fontes privilegiadas na Esplanada, minhas novas formações acadêmicas, minhas experiências internacionais, meu dia-a-dia na Capital da República e por aí vai. “Sabem” o que acham que sabiam há três décadas. A delícia da coisa toda está na constatação de que, olhando em perspectiva, o peixe que sempre foi maior que o aquário fez o que a imensa maioria de seus conterrâneos nunca teve coragem sequer de cogitar: buscar a liberdade e a imensidão do oceano. O meu “nirvana” é como ensinou Tressler, “buscar meios de penetrar na sensibilidade alheia com patas de elefante”. Talvez seja por isso que hoje, olhando para o aquário que abandonei há três décadas, posso escrever o que bem entendo, da forma como vejo, sem depender da validação de ninguém. Seja no aspecto intelectual, político ou financeiro. Eu me fiz. Quanto mais livros leio menos amigos faço e tantos outros perco. E vai piorar.
A coluna “Por trás das Cortinas” é dedicada exclusivamente aos leitores e seguidores de Guaíra (SP), terra natal do autor.