O dramaturgo alemão Bertolt Brecht sempre foi genial ao analisar as misérias do ser humano. Para Brecht, “aquele que não conhece a verdade é simplesmente um ignorante, mas aquele que a conhece e diz que é mentira, este é um criminoso”. Por estas linhas a verdade é simplesmente o que ela é: a verdade. Talvez seja por isso que os jecas, de forma geral, detestem o que por aqui lêem (sem admitir que o fazem, evidentemente). A verdade causa muito desconforto. Por ser inconveniente, ela também costuma ser imperdoável. Não se perdoa quem nos mostra o quão somos burros, incapazes e curtos. Não é fácil olhar para um espelho e ver orelhas gigantes e um queixo duro. A ignorância dói tanto quanto a impossibilidade de transpô-la. É por isso que quando um idiota sobe num caixote de repolhos para bradar contra o que não consegue entender , outros tantos se juntam ao seu redor para aplaudí-lo. É o típico comportamento de manada. Como ensinava o mestre Nelson Rodrigues, os idiotas vão tomar conta do mundo; não pela capacidade, mas pela quantidade. Eles são muitos.
A BURRICE É PREGUIÇOSA
A leitura não é uma tarefa agradável para os jecas. Eles preferem as facilidades e a preguiça de prints prontos em seus grupos de transmissão. Apresentados a um livro, dificilmente passam do primeiro parágrafo. A burrice é preguiçosa. Para os jecas, o conhecimento dá sono. “O bom mesmo é ouvir Gustavo Lima e seguir a família Bolsonaro nas redes sociais”. Em geral moradores de rincões perdidos do interior agrário desse imenso, controverso e dividido Brasil, costumam falar arrastado, puxando o erre enquanto assassinam, ainda na primeira frase, a concordância verbal, o plural e outras normas básicas da língua “culta”. Mal comparando, são como aqueles americanos médios (ou medíocres) do meio oeste, que praticam um inglês quase dialético e ininteligível. Experimente conversar com um morador do Kentucky e um novaiorquino e você, caso não seja um jeca inveterado, vai conseguir entender, com razoável cognição, o que estou dizendo. E como é que essa gente se “defende” quando confrontada com seus próprios fantasmas e limitações agudas? Simples: correm para o caixote de repolho. Vão se agrupando aos montes. Tomam conta do espaço. Não pela capacidade, mas pela quantidade. Ato contínuo, batem no peito e afirmam, sem pudores, que têm orgulho de sua jequice. É a fuga clássica dos limitados forjados na ignorância e na incapacidade de evoluir. Rejeitam o que não que conseguem entender e buscam orelhas (sempre grandes) nas quais podem se apoiar. Dá até para imaginar os encontros nos CVVJs (Centros de Valorização da Vida Jeca). Todos sentadinhos, em círculo, se apresentando mediados por algum estúpido-mor. “Oi, eu sou o Burrão. Sempre fui limitado. Não entendo muito dessa coisa de ler para desvendar o mundo. Não consigo entender o que isso quer dizer. Aliás, quando eu começo a ler, me dá sono. Nem bula de remédio eu enfrento. O que eu gosto mesmo é de ouvir o Bolsonaro enquanto tomo uma gelada. Aquele cara ‘sabe tudo’. É meu líder. Gostaria que meus pais ainda fossem vivos para assistirem o mito comigo mas eles morreram de Covid há dois anos. Pelo menos não sofreram os efeitos colaterais daquelas vacinas que fazem pessoas virarem jacaré”. Na sequência, todos os participantes abanam as orelhas e acolhem o membro falante: “seja bem-vindo Burrão. Nós entendemos você e estamos juntos. Isso aqui é uma família”. A gente sabe. Os bovinos são quadrúpedes gregários que adoram dias de campo onde podem fazer fotos com seus heróis enquanto se empanturram de churrasco e farofa.
Na imagem deste post, capa de “Ideias de Jeca Tatu”, livro de Monteiro Lobato. Para o célebre autor de obras-primas da literatura infantil como “O Sítio do Pica-Pau Amarelo”, o caboclo romantizado pelas obras literárias do Brasil dos Anos 20 não passava de uma figura idealizada que havia no interior do país. “Pobre Jeca Tatu! Como és bonito no romance e feio na realidade”, afirmava, categórico e ferino, um Lobato que incomodava pela verdade inconveniente que brotava de seus textos.
A coluna “Por trás das Cortinas” é dedicada exclusivamente aos leitores e seguidores de Guaíra (SP), terra natal do autor.