Nem precisa ser advogado ou ex-vereador para perceber que houve vicio (ilegalidade) no processo legislativo de votação e aprovação da Lei Municipal nº 2881, de 07/03/2019, que entregou de mão beijada duas grandes áreas que estavam reservadas no zoneamento urbano para projetos de habitação de interesse social. Com a mudança marota, ganhou a especulação imobiliária, perderam as famílias guairenses de baixa renda que necessitam de moradia popular.
Mas nunca é tarde para a verdade vir a tona, desnudando a desfaçatez daqueles que deram golpe baixo no interesse público: prefeito, vice e vereadores à época (no artigo anterior postei imagem das atas das sessões da Câmara Municipal com o nome e posicionamento de todos).
Dispõe claramente o Regimento Interno do legislativo guairense (Resolução nº 34, de 24/11/2004):
Artigo 194) –O Vereador presente à sessão não poderá escusar-se de votar, devendo porém, abster-se quando tiver interesse pessoal na deliberação, sob pena de nulidade da votação, quando seu voto for decisivo.
§ 1º) - O Vereador que se considerar impedido de votar nos termos do presente artigo, fará a devida comunicação ao Presidente, computando-se todavia, sua presença para efeito de “quorum “.
§ 2º) - O Impedimento poderá ser arguido por qualquer Vereador, cabendo a decisão ao Presidente.
Pois bem, justamente nas duas sessões ordinárias em questão (19/02 e 06/03/2019), havia em plenário dois vereadores impedidos de votar, sob a suspeição de terem interesse pessoal na deliberação. Um deles absteve-se (deixou de votar), mas a outra votou (favorável, nas duas sessões).
No tocante ao “Quórum de Aprovação”, diz o regimento em seu artigo 196:
§ 2º) - Dependerá do voto favorável da maioria de 2/3 (dois terços) dos membros da Câmara a aprovação das seguintes matérias:
a) - Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado do Município;
b)- zoneamento urbano e direitos suplementares de uso e ocupação de solo;
§ 5º) No cálculo do “quorum” qualificado de 2/3 (dois terços) dos votos da Câmara, serão considerados todos os Vereadores presentes ou ausentes, devendo as frações ser desprezadas, adotando-se como resultado o primeiro número inteiro Superior.
Sendo assim, como a nossa Câmara é composta por 11 (onze) vereadores, para alteração do zoneamento urbano são necessários 8 (oito) votos favoráveis e, nas duas sessões de votação, foi justamente esse o placar: 8 votos a favor, 2 votos contrários e 1 abstenção. Acontece que, dentre os votos favoráveis, pelo menos um estava sob suspeição e a vereadora deveria ter sido impedida de votar. E uma vez que o seu voto foi decisivo, houve flagrante ilegalidade, tornando a votação passível de nulidade.
Por fim, em seu capítulo V, que trata “Das Obrigações e Deveres dos Vereadores”, o regimento da Câmara é taxativo:
Artigo 241) - São obrigações e deveres do Vereador:...
IV - votar as proposições submetidas à deliberação da Câmara, salvo quando ele próprio tenha interesse pessoal na mesma, sob pena de nulidade da votação quando seu voto for decisivo.
Sobre suspensões e impedimentos
Como minha exposição dos fatos não tem nada de pessoal contra quem quer que seja, vou evitar mencionar nomes, pois estes constam das atas da Câmara que eu já divulguei no artigo anterior. Entretanto, para respaldar meu entendimento sobre a ilegalidade apontada, esclareço ao leitor a situação dos dois votos considerados suspeitos e impedidos.
Ao abster-se de votar, agiu correto e dentro da legalidade o vereador que é proprietário de um imóvel rural nas imediações de uma das áreas que estavam reservadas como ZRIS-zona residencial de interesse social e que foi suprimida do zoneamento urbano.
O mesmo cuidado e zelo não foi observado pela vereadora com acentuado grau de parentesco (sobrinha) dos proprietários do imóvel beneficiado com a alteração do zoneamento que, deixando de ser ZRIS, empreendeu projeto de loteamento particular na área, cujos lotes já estão sendo comercializados desde o final do ano passado.
E o CONCIDADE: foi omisso, conivente ou subjugado?
Importante instrumento de controle externo, criado pela Lei Ordinária Municipal nº 2798 de 03/07/2017, o Conselho de Planejamento e Mobilidade Urbana de Guaíra “CONCIDADE”, necessariamente, deve ter sido consultado e opinado sobre essa alteração esdrúxula promovida no zoneamento urbano. É justamente essa informação que irei buscar a partir de agora, solicitando atas de eventuais reuniões e pareceres emitidos.
O conselho é amplo, com 36 membros (titulares e suplentes); tripartite, com representação do poder público municipal, da sociedade civil e de entidades de classe (12 membros de cada setor).
Tem assento no CONCIDADE órgãos importantes como a OAB, CREA e AGEA, dentre outros; portanto, pessoas com conhecimento técnico suficiente para perceber que o interesse público estava sendo lesado com a alteração proposta/efetivada pelos poderes Executivo e Legislativo no zoneamento urbano municipal.
E agora, com o leite derramado e decorrido tanto tempo, há algo a fazer?
Por cortesia e para não atropelar os agentes políticos atuais - prefeito, vice, vereadores e secretários municipais - (que tem o dever legal de não prevaricar), passo a palavra aos mesmos, pois como cidadão já cumpri o meu papel de investigar, apurar os fatos e denunciar publicamente.
Entretanto, caso o silêncio covarde e obsequioso de sempre permaneça, outras medidas podem ser tomadas, por qualquer cidadão de bem (bolsonaristas inclusive). Por exemplo: representar os fatos no zeloso Ministério Público, acionar o Poder Judiciário local mediante Ação Popular, ingressar com Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) junto ao Tribunal de Justiça, etc.
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