Por mais que seu marketing tente vendê-lo como “gente boa” e “disruptivo”, o prefeito de Guaíra (SP), Antonio Manoel da Silva Júnior, nunca foi, dentro e fora da vida pública, uma pessoa querida. Nem tão pouco um “político diferente”. Como até as salsichas do arroz cretino servido a crianças abandonadas sabem, a empáfia de “Junão” sempre foi folclórica. Como típico nascituro de berço de ouro, o atual chefe do executivo guairense sequer, ao longo de sua vida, se preocupou em esconder o ar pedante e os modos feudais. Sempre faltou-lhe humildade e sobrou dinheiro. Os escândalos e condutas persecutórias de sua administração não deveriam ser uma surpresa. A vida pública não foi feita para herdeiros mimados. O exercício da missão pública exige bons modos, cordialidade, respeito às pessoas e obediência às leis.A vida pública não é um escritório de fazenda , nem um stand de venda de lotes e nem tão pouco um silo de grãos. O mestre Nelson Rodrigues, com sua ferina língua, dizia que “o dinheiro compra tudo, até amor verdadeiro”. Divertido, o aforismo de um dos maiores dramaturgos de nossa história , embora ácido e inteligente; não pode ser aplicado a todos durante todo o tempo. Sim, o dinheiro compra muita coisa, inclusive “amores verdadeiros”. Mas não alcança quem não precisa dele. E também não alcança aqueles que precisam mas não se vendem, os heróis da resistência. Mas , afinal, por que foram necessários mais de dois anos de silêncio até que os escândalos do Governo Antonio Manoel viessem à tona? A resposta é simples como chupar uma laranja: medo e interesse. É disso que trataremos hoje, nos próximos tópicos.
O MEDO
Há, no fundo, apenas duas formas de exercer o poder, seja na vida pessoal, como dentro de um casamento, por exemplo; seja na vida pública, como no exercício de cargo eletivo. Nesse sentido e sem duplos sentidos, ou você é amado ou você é temido. Ou você é admirado, ou você é odiado. Os assédios morais praticados contra servidoras de carreira e mulheres ocupantes de cargos comissionados aqui revelados com riqueza de detalhes nos últimos dias deixam claro que , definitivamente, não é por amor nem tão pouco por admiração que o atual chefe do executivo é “respeitado” dentro da prefeitura. As pessoas não gostam de “Junão”. Elas o temem. Quem precisa gritar com “subordinados” para que eles cumpram suas ordens nunca terá, de verdade, o controle da situação. Uma hora a situação sai de controle. E é exatamente isso que está acontecendo. As pessoas se cansam, na vida pessoal e profissional, de serem humilhadas, de serem submetidas a constrangimentos públicos, de serem tratadas com desrespeito e grosserias, de se verem obrigadas a chancelar ilegalidades “porque o chefe quer” ou “porque o marido mandou”. Climas organizacionais doentes, tomados pelo medo e guiados pelo terrorismo psicológico podem destruir a vida das pessoas mas também podem, e isso quase sempre acontece, provocar em algumas delas uma revolta tão grande, uma indignação tão forte, que surge a epifania da coragem libertadora. O oprimido arrebenta os grilhões que o mantinham preso ao opressor e parte para cima dele empunhando o arcabuz da verdade. Cedo ou tarde, a Bastilha cai.
O INTERESSE
Trata-se de um clássico. Diante das evidências solares da prática de ilegalidades indizíveis e de assédios de fazerem ruborizar Epsteins e Weinsteins, por que a coisa só corria à boca pequena? Simples como um picolé de groselha: porque há bocas grandes. O interesse guia os canalhas. “Ora, por que eu vou criticá-lo ou me posicionar se o ‘meu’ está caindo direitinho na conta?”. “Ahhh...ema, ema, ema, cada um com seu problema..”. Sim, o dinheiro compra tudo. Até “amores verdadeiros” nas antessalas da tortura. E nessa conta tem de tudo: comunicadores incompetentes comprados a preço de banana, profissionais liberais deslumbrados com carguinhos públicos e até prestadores de serviço satisfeitos com os bons negócios fechados com gente má. O caso dos comissionados é um capítulo à parte. Trata-se do puro suco do mais acintoso cinismo. Os tais, por terem acesso a informações privilegiadas e conviverem diariamente com aquela barafunda de patrimonialismos, ilegalidades e assédios à luz do sol, continuam ali, impávidos, como se nada, absolutamente nada, estivesse acontecendo. Uma diretora assediada saiu em prantos do gabinete? “Não é comigo”. Uma interventora adoeceu depois de ser perseguida pelo prefeito? “Nem vi”. Crianças vulneráveis estão comendo arroz com salsicha numa ONG abastecida com dinheiro público? “Não fiquei sabendo”. O chefe do executivo mudou diretrizes para lucrar com seus loteamentos particulares? “Vê lá com a engenharia”. O Deágua passou a vender “indulgências” via PIX para evitar o corte no abastecimento de água de consumidores miseráveis? “Isso é coisa de uma autarquia, aqui é a prefeitura”. O prefeito e sua chefe de gabinete dispensaram a licitação para instalar totens milionários pela cidade? “Me disseram que a tecnologia era exclusiva”. A prefeitura vai gastar mais de R$ 2 milhões com shows milionários durante ano eleitoral? “Mas o povo gosta, tá tudo certo”. E por aí vai e assim ia até que não foi mais.
O PÃO, O CIRCO E AS URNAS
Mas como então vencer o medo e furar a bolha habitada por covardes e interesseiros? Acometidos da mais recorrente entre todas as enfermidades comuns aos homens públicos - as vertigens de baixa altitude - políticos atrasados, forjados num coronelismo tardio, ridículo e ultrapassado, ainda imaginam (acreditam mesmo) que o pão e o circo são suficientes para “domesticar” a plebe. Estúpidos, não conseguem entender que os tempos são outros. Ofendem a inteligência do eleitor tratando-o como um “incapaz” que não pensa e só busca diversão fácil. Estão enganados. O eleitor é muito mais arguto do que imaginam todos aqueles que buscam o seu voto. Ao contrário do que Odoricos endinheirados pensam, o cidadão de hoje, absolutamente imerso na sociedade da informação e tecnologia, não se convence mais com a inauguração de lombadas , placas caça-votos em rotatórias e shows sertanejos. Muito mais inteligente e criativo do que imaginam coronéis carecas, o eleitor de hoje é capaz de comer o pão, dançar o circo e se vingar nas urnas. NÃO VEJO, NÃO OUÇO, NÃO FALO....MAS VOTO.
A coluna “Por trás das Cortinas” é dedicada exclusivamente aos leitores e seguidores de Guaíra (SP), terra natal do autor radicado em Brasília (DF) desde 1998.