Diretoria de Justiça se opôs a licitações suspeitas e aos negócios particulares do chefe do executivo com o poder público. Caiu com as bençãos da chefe de gabinete que via em Emiliana um empecilho para os interesses do prefeito
A cozinha de qualquer casa diz muito sobre seus moradores. Se o bolo queima é porque não há o cuidado necessário com o preparo. Se a sujeira reina é porque ninguém se preocupa com a higiene. A própria e a do piso. Quando sabemos o que acontece na cozinha de alguém dá até para traçar um perfil pessoal e psicológico de quem habita aquela casa. Em certa medida, gabinetes de prefeitos são como as nossas cozinhas. De lá vem o cheiro de queimado e de comida estragada. Lá observa-se, pelo chão, se quem frequenta o local se incomoda ou não com a sujeira. Dá para notar mais. Uma olhadela rápida e é possível também checar se alguém assaltou a geladeira. O que se verá nas próximas linhas é a “história por trás da história” da demissão da competente e tecnicista advogada Emiliana Ribeiro Sterchile do Governo Antonio Manoel no início de maio de 2022, quando a Administração Junão completava ainda incipientes seis meses de gestão-tampão. Conhecida pela formação jurídica robusta e pelo perfil técnico, a “doutora” é o tipo de profissional que qualquer governante, mesmo os oportunistas, gostaria de ter ao seu lado. O problema é quando o conhecimento, a razão e a legalidade começam a atrapalhar os planos de quem quer passar por cima de tudo em nome de seu projeto pessoal de poder. Então Diretoria de Justiça e Interventora da Santa Casa, Emiliana, um quadro preparadíssimo no meio de um deserto de talentos, foi mandada ao olho da rua em 5 de maio de 2022. Entre seus pecados, o mais imperdoável foi dizer NÃO enquanto todos, deslumbrados, diziam SIM. A então Diretora de Justiça se opôs a licitações suspeitas e aos negócios particulares do chefe do executivo com o poder público, destacadamente a imoralidade de lotear a cidade como prefeito da mesma cidade. Por ter se comportado exatamente como se espera de um agente público comprometido com os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência; foi “premiada” com a porta dos fundos. E com as bençãos da chefe de gabinete, Marizete Manfrim, que via na “doutora” um empecilho para os interesses do prefeito. Que se abram as cortinas e se conheça o que acontece atrás delas.
“SE O CELULAR DA CHEFE DE GABINETE FOR APREENDIDO, O GAECO BAIXA EM GUAÍRA”
Comecemos pelo fim, para entender o começo. Na tarde de sexta-feira, 5 de maio de 2022, já estava tudo arranjado para que Emiliana, o “estorvo” para os interesses do prefeito, fosse demitida. Sua exoneração já estava assinada , tanto é que foi publicada no Diário Oficial do Município no mesmo dia, e pouquíssimo tempo depois do prefeito comunicar-lhe, inapropriadamente diante de uma plateia , “que daquele jeito não dava mais”. Um olho no gato e outro no peixe. O substituto, Adalberto Omoto, também já estava escolhido e apenas aguardava o teatro da demissão para assumir o lugar da assessora “inconveniente”. Mas era preciso, como em qualquer teatro mambembe, uma cena que corroborasse o ato. E assim foi feito. Emiliana, depois de uma discussão pregressa com o prefeito por conta de ilegalidades que ela apontava na contratação de serviços pela prefeitura, entra na sala do chefe do executivo. Lá encontra o próprio Antonio Manoel e ao seu lado, feito uma sombra permanente e mesmo longe do Sol, sua chefe de gabinete, Marizete Manfrim. Também estavam à mesa a advogada Camila Lourenço, então subordinada de Emiliana e que integra o “time” jurídico da prefeitura; a também advogada Vânia Tostes, do Controle Interno do Governo Municipal; e ainda a diretora do Departamento de Meio Ambiente, Estefane Nascimento. A conversa parou assim que Emiliana entrou e dali, daquele ponto, engata-se o embate ensaiado do prefeito contra Emiliana e devidamente diante da “plateia” (o que por si só já configura um assédio moral inaceitável). Junão encena indignação: “pois é Doutora, acho que não vai dar mais para continuarmos juntos. Tem muita coisa ‘parada’ na sua mesa e você anda dizendo por aí que se pegarem o celular da Marizete o Gaeco baixa em Guaíra”. Surpreendida pelo ataque de Junão diante das quatro silenciosas mulheres que ali estavam, Emiliana engoliu o choro e agarrou-se à dignidade de quem sabe que está do lado da verdade: “Não prefeito. Eu não estou falando por aí. Eu falei DIRETO para a Marizete porque os áudios e mensagens que ela envia por celular, na minha opinião técnica e jurídica , têm o potencial de comprometer não só ela como você também e todo o governo. Em administração pública, precisamos seguir princípios corretos e transparentes e agirmos como tal”. Neste momento, a chefe de gabinete desvia o olhar de Emiliana e abaixa a cabeça. A cena ,diante uma plateia constrangedora e ao mesmo tempo constrangida, continuou, com o prefeito sempre se “queixando” da “demora” de sua Diretora de Justiça liberar documentos que autorizavam a contratação de serviços pela prefeitura. Veio a ruptura. Domando as lágrimas para não dar o gostinho da fragilidade ao prefeito, Emiliana, de cabeça erguida, disparou: “se você não concorda com o cuidado que eu tomo para que você mesmo não seja prejudicado por conta de atos imorais e ilegais, eu não tenho mais nada para fazer aqui”. Emiliana então sai do gabinete, com os olhos começando a marejar, e dirige-se para sua sala. Na porta encontra uma amiga da equipe de governo, a abraça e então, chora copiosamente. A amiga a consola: “você não merece isso aqui”. Recomposta , a “doutora” sequer organiza sua mesa, onde repousam justamente os processos que segurou por considerá-los lesivos à administração pública; entre os quais a contratação de totens com câmeras de segurança ,cujo fornecedor havia, pasmem, preparado um documento “padrão” copia-e-cola dispensando a licitação e com o qual Emiliana, evidentemente não concordava. Emiliana liga para o marido (naquele dia ela não havida ido de carro à prefeitura): “amor, você pode me buscar?”. Do outro lado, o esposo, o publicitário e empresário Cristian Sterchile, pelo tom de voz da mulher, já havia sacado a coisa toda , por ter testemunhado o sofrimento psicológico da esposa nas últimas semanas: “você foi demitida, né?”. Eram 17h de sexta-feira, 5 de maio de 2022. Às 8h de segunda, dia 8 de maio, Adalberto Omoto já despachava como novo Diretor de Justiça do Governo Antonio Manoel.
O ESTOPIM
A cena da demissão no gabinete foi precedida de outra, com igual rompante constrangedor do prefeito, na sala da própria Emiliana. Naquela mesma data, Emiliana, ainda investida do cargo era auxiliada pela procuradora de carreira do município , a também advogada Andresa Romanelli (desafeta de Antonio Manoel por, assim como Emiliana, frear frequentemente os ímpetos imorais do chefe do executivo no exercício do cargo). Na sala de Emiliana, as duas organizavam a documentação da prefeitura por conta de visita que seria feita pelo Tribunal de Contas do Estado na semana seguinte. Ali também estava presente Estefane do Nascimento, diretora de Meio Ambiente, pelo mesmo motivo. Eis que então o prefeito, que acabava de chegar à sede de governo, entra de uma vez na sala, sempre acompanhado de Marizete e dispara para Emiliana, sem olhar para Andresa e diante de Estefane: “doutora, porque ainda não foram liberados os documentos de contratação dos shows da festa do peão (que aconteceria dias depois, em meados de maio)?” Emiliana devolve: “estamos cuidando de algo muito mais importante, que só nos foi comunicado em cima da hora (a chefe de gabinete teria segurado a informação da visita), que é a vinda do pessoal do Tribunal de Contas”. Junão devolve, destemperado e aos berros: “eu não devo nada ao Tribunal de Contas. O que eu souber eu falo , o que eu não souber eu não falo. O que importa para mim, neste momento, é a festa do peão”. E saiu, com Marizete sempre na cola, batendo a porta.
O DESGASTE-RAIZ: EMILIANA ALERTOU JUNÃO SOBRE IMORALIDADE E ILEGALIDADE DOS LOTEAMENTOS DO PREFEITO
Emiliana conhece Junão desde o final dos anos 2.000, quando ainda durante o primeiro governo Sérgio de Mello, se aproximou de Antonio Manoel durante a criação de uma associação de estudantes da qual Junão foi “patrono”. De lá para cá, ganhou a confiança do agora prefeito, chegando a trabalhar durante dois anos, para os negócios da família de Antonio Manoel. Ribeiro sempre foi admirada por dizer para Junão o que nem familiares próximos costumavam falar, evitando, com papo reto, que o então patrão seguisse por caminhos tortos. Os dois estiveram juntos, por exemplo, na Santa de Casa de Guaíra, quando Junão era Secretário de Saúde do governo José Carlos Augusto. Eis, porém, que Antonio Manoel chegou à cadeira de prefeito para o mandato-tampão que se encerra este ano. Os interesses de Junão mudaram mas a conduta de Emiliana não. Assim que assumiu o cargo de Diretora de Justiça alertou o prefeito: “como chefe do executivo você não pode, durante todo o mandato, fazer qualquer loteamento em seu nome ou de familiares. É imoral e ilegal. Você não pode, como prefeito, autorizar loteamentos para você mesmo, como loteador”. Emiliana foi mandada embora e Antonio Manoel , já como prefeito, continuou loteando; não sem antes, é claro, alterar diretrizes que afrouxaram as exigências feitas pelo prefeitura aos loteadores (como ele mesmo).
A RUA E A SIBÉRIA
Cercado por sabujos incapazes de questioná-lo, como todo chefe inseguro faz, Antonio Manoel tratou de tirar de seu caminho servidores corajosos (comissionados ou de carreira) , capazes de dizer ao chefe o que ele precisa ouvir e não o que deseja (como fazem os puxa-sacos) . Além de Emiliana, há outras vítimas que “pagaram caro” por não se curvarem diante dos arroubos de autoritarismo do chefe e do poder da eminência parda de Marizete Manfrim. Uma delas é a servidora de carreira conhecida pelo profundo conhecimento que tem da estrutura legal da máquina pública, Andresa Ferreira Romanelli. Desafeta não só de Junão mas também de Manfrim (por assuntos pretéritos mas sempre ligados ao rigor com que a servidora sempre tratou os assuntos de governo), Andresa foi “convidada”, pelo prefeito, a despachar bem longe da sede de governo. O aviso veio pelos lábios do novo Diretor de Justiça. Lá pelas tantas, Adalberto Omoto vai à sala que Andresa ocupava há vários anos na prefeitura e filosofa, com ar pedante: “Doutora AndreSa, nessa vida existem dois tipos de pessoas: as que mandam e as que obedecem. O prefeito informa que a senhora não vai mas despachar aqui no Paço Municipal. Sua nova sala fica na coordenadoria de Assistência Social”. A bordo de toda sua experiência como servidora de carreira e sabendo que comissionados passam enquanto servidores de carreira ficam, Andresa não morde a isca e devolve, com uma frieza deliciosa : “o senhor quer eu vá agora”?. Omoto, ao perceber o autocontrole da servidora, põe os pés no chão e responde: “não, pode ser amanhã. E leve seu computador porque lá não tem nenhum para a senhora”. Como Andresa é funcionária de carreira, concursada, e não pode ser demitida como Emiliana; Junão a obrigou a despachar em uma sala esquecida e distante da Assistência Social, bem longe do Paço Municipal. Rebaixou seu “status geográfico”, criando uma espécie de Sibéria só para ela. Tolo e presunçoso, o prefeito que só se sente “seguro” cercado de bajuladores, acredita, estupidamente, que terras gélidas são capazes de domar corações quentes. Pelo que se vê e especialmente pelo aqui se lê, não há demissão ou gulag capaz de impedir que a verdade venha à tona.
A DIGNIDADE DO "NÃO"
Na imagem deste post, a advogada e ex-Diretora de Justiça do Governo Antonio Manoel, Emiliana Ribeiro. Ela teve a coragem de dizer não enquanto todos diziam sim.
A coluna “Por trás das Cortinas” é dedicada exclusivamente aos leitores e seguidores de Guaíra (SP), terra natal do autor radicado em Brasília (DF) desde 1998.