Mário Covas, governador e parlamentar, um dos nomes mais respeitados da história política brasileira, bem conhecido dos paulistas e especialmente dos guairenses, tinha uma frase pronta sobre o ovo da serpente da corrupção. Abre aspas: “o problema fundamental é a impunidade, que criou um tipo de cultura”. Antes de Covas, lá atrás ,nos anos 50, o jornalista Carlos Lacerda, que viria a se tornar governador do então “Estado da Guanabara”, vaticinava: “a impunidade gera a audácia dos maus”. Pois em Guaíra (SP), terra natal e distante deste que vos escreve diariamente; muito além do escárnio dos loteamentos, a sensação de impunidade que aqui vem sendo mostrada sem nenhuma cortina, transformou o Departamento de Água e Esgoto, autarquia da prefeitura comandada por Antonio Manoel, num “puxadinho” de interesses particulares que oferecida interrupções de corte no fornecimento de água em troca de transferências de dinheiro para contas privadas. A cultura da impunidade criticada por Covas parece ter se espalhado, feito uma praga, por diferentes setores da administração pública guairense. A sensação de impunidade, como ensinava Lacerda, estimulou, durante o Governo Antonio Manoel, a audácia dos maus, instalados em diferentes setores da prefeitura. É o que se verá aqui, por meio, como sempre, de provas irrefutáveis. No caso de hoje, uma coleção de áudios que mostram como, por trás das cortinas, a desfaçatez mansa e indecente reinava absoluta, sob as barbas “puras” do prefeito e sob os olhos “cegos” de alguns de seus principais assessores. É o que deliciosamente temos para hoje, nos tópicos seguintes.
O “FAZ-ME RIR” TINHA ATÉ NOME: “SORTE”
Quando o prefeito-tampão de Guaíra(SP) nomeou ninguém menos que seu próprio coordenador de campanha, José Mauro Caputi Júnior; para chefiar o DEÁGUA (Departamento de Água e Esgoto ), sabia exatamente o que estava fazendo. Antonio Manoel tinha a opção de seguir um dos princípios mais importantes da administração púbica – a impessoalidade – mas preferiu presentear Caputi com a cobiçada autarquia responsável por levar água para toda a população e tratar o historicamente problemático esgoto da cidade. O que viria a seguir tinha cara, cheiro e gosto de uma obra do colombiano Gabrial García Máquez, a “Crônica de uma Morte Anunciada”. Morte da verdade. Morte da decência. Morte da vergonha. Morte de qualquer escrúpulo. Já como manda-chuva do departamento e com apoio incondicional do prefeito, o ex-coordenador de campanha levou para trabalhar consigo na autarquia um dos integrantes da milícia digital do então candidato Junão durante a campanha das suplementares de 2021. Deslumbrado com o poder, o pupilo de Caputi mostrou como, num governo em que impera a sensação de impunidade; o escárnio com a lei e a indiferença aviltante em relação aos cidadãos pagadores de impostos são práticas recorrentes e corriqueiras. O menino, um prodígio de desfaçatez, instalou dentro da autarquia um sistema de indulgências malandras como se fosse um frade corrupto da idade média. Pela “remissão de todos os pecados” de cidadãos inadimplentes com o pagamento da conta de água, cobrava uma “taxa de perdão” a partir de transferências, via PIX (sim, a tecnologia também ajuda mãos bobas e rápidas) para sua conta pessoal. Pronto, problema resolvido. A dinâmica da coisa toda revela o quão asquerosa pode ser a mistura bandida entre o público e o privado: sem dinheiro e desesperados para não ter o fornecimento de água interrompido pela falta de pagamento, cidadãos pobres e comuns davam um jeito de levantar com amigos e familiares o valor da “taxa de perdão” e depositar na conta do bondoso e altruísta membro do “dream team” de Caputi no Deágua. Devidamente remunerado por sua “bondade”, o fofo comissionado do departamento entrava então no sistema da autarquia e baixava a dívida do pobre diabo que raspou o taxo de suas economias de fome para pagar a indulgência cobrada, sem a menor cerimônia, dentro da autarquia. O assombroso “faz-me-rir” tinha até nome: “sorte”. É o que se verá, para desespero de seu próprio estômago de leitor e ouvinte, no tópico seguinte.
“ESTOU PRECISANDO GANHAR...VOCÊ NÃO VAI ME TRAZER A SORTE?”
A sensação de impunidade -marca registrada de governos que se consideram acima da lei - era tanta e tão mansa que a cobrança das indulgências era feita por áudios de Whatsapp. Sim, acredite e em seguida ouça você mesmo. O “cordeiro de Deus” do altar de todos os santos do Deágua, tirava os pecados do mundo cobrando o perdão em aúdio, produzindo provas contra si mesmo, contra o departamento, contra o diretor da autarquia e contra o prefeito. Percebe-se , neste ponto, que há uma disputa acirrada, no curioso continente mental dos manoelistas, entre o que mais se destaca na atual administração guairense: a sensação de impunidade ou a estupidez atávica. A certa altura da cobrança gravada das “indulgências”, o salvador dos inadimplentes lembrava uma interlocutora: “ESTOU PRECISANDO GANHAR....VOCÊ NÃO VAI ME TRAZER A SORTE?”. Sim, a sensação de impunidade, o escárnio e a desfaçatez presentes no Governo Antonio Manoel foram capazes até mesmo de batizar a propina, de dar nome ao faz-me-rir, de identificar a molhadela, de nomenclaturar a changa, de chamar a lambuja pelo nome. Eu acrescento, em nome de todos aqueles que ainda tem alguma dúvida: “sorte” de quem?
O DEÁGUA DAS INDULGÊNCIAS PAGAS POR PIX É O MESMO QUE AFROUXOU REGRAS PARA FAVORECER LOTEAMENTOS PARTICULARES DO PREFEITO
A sensação de impunidade é capaz de transformar autarquias públicas em celeiros da desfaçatez. Como se pode verificar, por documentos e áudios, o Departamento de Água e Esgoto de Guaíra (SP) foi transformado numa espécie de “QG de Facilitações”. O Deágua que cobrou indulgências para evitar o corte do fornecimento de água de cidadãos miseráveis e inadimplentes é o mesmo que afrouxou regras para favorecer loteamentos particulares e milionários do prefeito. Por conta do escândalo, Caputi e seu pupilo vieram a cair. Primeiro foi o “cordeiro de Deus”. Encurrulado pelas evidências solares, o prefeito Antonio Manoel escolheu o salvador de inadimplentes como anel a ser entregue. Enganou-se quanto à suficiência. Precisou entregar também o dedo, ao jogar o coordenador de sua campanha aos leões, demitindo-o também do Deágua depois que a fritura do “Menino da Sorte” não se mostrou bastante. Não sem antes dezenas de aúdios da cobrança de indulgências vazarem, mostrando que a verdade é fluída e sempre – SEMPRE– vem à tona. Enquanto o Ministério Público investiga o caso a partir das inúmeras gravações , esta coluna publica agora, uma seleção das “melhores”.