Disputa estúpida entre José Eduardo e Junão para mostrar quem é mais “bolsonarista” só reforça a miopia jeca que contamina as bolhas conservadores do interior paulista.
A ciência estatística é a mãe de todas as batalhas eleitorais. Ela coloca puxa-sacos, diletantes, idiotas, pretensos formadores de opinião e “achistas” de toda espécie em seu devido lugar. Não é por outra razão que em todas as campanhas vitoriosas que coordenei em minha terra natal (Guaíra – SP) sempre exigi dos contratantes, como ponto de partida, pesquisas confiáveis destinadas a dissecar a real situação do postulante e afastar as hordas de “especialistas em nada” que sempre aparecem em busca de um pedaço do butim. Lançado recentemente e já transformado em best-seller do complexo universo político brasileiro, o livro “Biografia do Abismo” (Harper Collins; 239 páginas), do cientista político Felipe Nunes (professor da UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais) em parceria com o experiente jornalista Thomas Traumann (mestre em Ciência Política pelo IESP – UERJ); é uma lufada de ciência estatística baseada na combinação de diversas pesquisas qualitativas e quantitativas sobre o novo perfil do eleitor brasileiro. Um eleitor mergulhado, desde 2018, na “polarização afetiva” que, como mostra a obra, calcifica preferências, divide famílias, desafia empresas e compromete o futuro do Brasil. O livro, repleto de levantamentos estatísticos, mostra que a divisão do Brasil entre esquerda e direita é resultado da calcificação nociva do eleitorado no estranho e novo mundo do “Lulanaro”: ou você é Lula, ou você é Bolsonaro. Apesar dessa divisão clara, Nunes e Traumann, também por meio de pesquisas confiáveis, mostram que em números absolutos, a calcificação da polarização nacional não será decisiva nas pequenas cidades (até 99 mil habitantes). Nelas, como é o caso de Guaíra (SP) e seus não mais que 40 mil habitantes, o que vai decidir o voto nas eleições de outubro deste ano é a qualidade da zeladoria; ou seja, os serviços diretamente prestados pelo município ao cidadão (saúde, educação, habitação, limpeza pública, parques e jardins, asfalto, etc). Isso quer dizer que os prefeitos das pequenas cidades que estão cuidando bem de suas adminsitrações provavelmente serão reeleitos ou farão seus sucessores, independentemente das paixões políticas da polarização “Lulanaro”. É assim que resta claro e inquestionável o quanto é equivocado e estúpido o caminho tomado pelo ex-prefeito José Eduardo Coscrato Lelis, ao migrar do PSDB para o PL em busca do apoio do eleitor “bolsonarista” local. É o que veremos a seguir.
MUITO DESGASTE POR QUASE NADA
Pode-se argumentar que José Eduardo, mesmo que não seja candidato e escolha um otário iludido para perder no seu lugar; esteja em busca das guaiacas de dinheiro do PL. Partido de Bolsonaro, o PL do mensaleiro Valdemar da Costa Neto, figura abjeta do baixo clero da política nacional que já puxou cadeia, tem a meta ambiciosa e inalcançável de fazer 1.500 prefeituras este ano. Trata-se de um delírio. Se não fez com Bolsonaro no poder em 2020, como o PL fará agora um número surreal de prefeitos com Jair inelegível, sem mandato e muito provavelmente preso antes de outubro? A “meta” é apenas mais uma mentira do bolsonarismo para galvanizar seu eleitorado raiz. E é justamente aí que identificamos mais um erro infantil de José Eduardo. Tropeçando nas próprias vertigens de baixa altitude – entre as quais, a de que será amado para sempre, como se fosse um Jesus Cristo Superstar- o filho de Dona Edna perde a oportunidade de alinhar-se, na vida pública, ao que seus advogados tentam nos tribunais: mostrar que foi vítima de um golpe orquestrado para derrubá-lo no que ficou conhecido como “Escândalo do Gaeco”. Como um “perseguido” acusado “injustamente” de fazer parte de uma quadrilha que fraudava licitações pode aliar-se a perseguidores, a gente como Bolsonaro e seu histórico de mortes, golpismo, roubo de joias e espionagem de juízes, políticos e jornalistas? A impressão que se dá é que José Eduardo bateu a cabeça e não se deu conta que perdeu parte do juízo que tanto já lhe foi útil. Mais do que isso. Para quem se gaba de ser um “estudioso” dos números, José Eduardo ignora duas realidades estatísticas que podem lhe custar caro. Seja como candidato ou como cabo eleitoral do otário da vez. É o que se mostrará a seguir.
“É A ZELADORIA, ESTÚPIDO”
A primeira é óbvia: se pesquisas confiáveis, como as que balizam a obra de Nunes e Traumann, mostram que nas pequenas cidades o que decide o voto é a “zeladoria” (o zelo com o qual a administração municipal cuida da cidade e de seus moradores), porque José Eduardo foi se meter numa guinada lamentável, condenável e sem noção à extrema direita? Uma bolsonarização burra e tardia? Um puxa-saquismo em torno de um ex-presidente que será preso? Não é difícil responder. Em sua disputa com Junão para mostrar para muitos o que pode, no caso de Guaíra, interessar a poucos; o filho de Dona Edna só deixa escapar que, apesar de seu discernimento e formação (inclusive política), não consegue ser muito diferente da elite agrária de onde veio. Uma elite contaminada pela miopia jeca das bolhas conservadoras do bolsonarismo do interior paulista. José Eduardo não consegue ou não quer enxergar o que seu nervo ótico já deveria ter identificado: ao fim e ao cabo, pouco importa, em cidades do tamanho de Guaíra, se o candidato está ou não pendurado na bolsa escrotal de um genocida inelegível. O que vale nessas localidades é a percepção, pelo eleitor, de bom atendimento dos serviços públicos. Respirar na bolha do agro é acreditar, feito um menino mimado, que a claque de produtores amigos é suficiente para vencer uma eleição na cidade. É acreditar que bois no rolete garantem votos de quem mora na periferia e precisa da assistência municipal para sobreviver. É acreditar que promover, feito um mercador da fé, comboios de romeiros para rezar na zona rural, resolverá todos problemas. Quem gosta de boi no rolete é fazendeiro rico e o bando de lacaios aproveitadores que os cercam em dias de campo manjados. Quando Clinton ainda patinava na campanha que o levaria à inesperada Presidência dos Estados Unidos nos anos 90 errando no tom dos ataques ao adversário (Bush Pai), seu marqueteiro, James Carville, celebrizou-se por dizer o que o futuro homem mais poderoso do mundo precisava ouvir mas ninguém tinha coragem de dizer. Sem rodeios, Carville interrompeu a lenga-lenga de mais uma reclamação de Clinton sobre seu desempenho nas pesquisas e vomitou, sem piscar: “é a economia, estúpido. Enquanto você não atacar a economia e deixar de lado a guerra de Bush no Golfo, você não vai sair de onde está”. Clinton abaixou a cabeça, vestiu as sandálias da humildade, aceitou o conselho e tornou-se o 42º Presidente dos Estados Unidos. O que José Eduardo precisa ouvir: “é a zeladoria, estúpido”.
A VERTIGEM DOS NÚMEROS
Para interpretar números eleitorais é preciso ir muito além das armadilhas que a matemática pura pode nos pregar. Enquanto José Eduardo queima tempo, fosfato e prestígio em sua aventura bolsonarista, destruindo pontes do presente enquanto incinera o próprio futuro, a análise vertical sobre os números da última eleição em Guaíra, a suplementar de 2021, diz muito sobre o que poucos querem falar. Surfando na tragédia do Escândalo do GAECO, que impediu que José Eduardo recuperasse o mandato e manchou, de forma indelével, o antigo grupo União e Progresso com o estigma da corrupção; Junão venceu a disputa extraordinária daquele ano com 8.534 votos. No mesmo pleito, Edvaldo Morais, o companheiro que foi para o sacrifício enquanto José Eduardo viajava para o Tocantins no dia da votação, obteve 5.964 votos, ficando em segundo lugar. Armani foi o terceiro, com 1.615 votos. A votação das suplementares de 2021 ainda registrou 587 votos brancos e 666 votos nulos, num total geral de 17.366 votos. Raios! Até onde se sabe e até onde o Tribunal Regional Eleitoral informa, a Guaíra “bolsonarista” de José Eduardo tem algo em torno de 30 mil eleitores. Onde essa gente (mais de 12 mil eleitores) estava em 2021, que não apareceu para votar no ano que antecedia a malograda tentativa de reeleição do "mito"? Por que essa “brava” gente se absteve depois de votar, em peso, em Bolsonaro, em 2018? É simples, estúpido. Nas pequenas cidades, com menos de 100 mil habitantes, a disputa ideológica do “Lulanaro” não se mistura, como mostram as pesquisas e a obra de Nunes e Traumann, com as demandas do cidadão. “É a zeladoria, estúpido”!
POR QUE JUNÃO ERRA MENOS?
Com toda sinceridade, não coloco Junão no mesmo patamar intelectual de José Eduardo. Junão sabe fazer negócios e aprendeu, depois de um longo inverno de rejeições, a fazer política. Mas ele continua sendo mais curto intelectualmente que José Eduardo. O que não impede, porém, que o filho de Dona Edna passe por ridículos monumentais como sua atual, desnecessária e - burra mesmo - guinada à direita. “Ora, se José Eduardo erra muito ao jogar sal em carne podre, Junão também não faz o mesmo ao jurar amor a Bolsonaro ao lado do governador Tarcísio de Freitas”? Sim, faz o mesmo, mas errando menos diante da conjuntura política e administrativa. Junão pode “justificar” sua posição, alegando que política é a arte do pragmatismo e ele, como prefeito, precisa se alinhar ao bolsonarismo de Tarcísio, já que o governador é quem, no final das contas, pode ajudar ,de fato, Guaíra. Faz muito mais sentido do que ver um José Eduardo que, mesmo assombrado pela possibilidade de condenação por corrupção , se esforça como um lacaio deslumbrado para posar de amigo de um ex-presidente criminoso, inelegível e sem mandato, ao lado de colegas fazendeiros do Agro. Ato contínuo, Junão, que de bobo não tem nada, vem conseguindo atender bem a população na prestação de serviços públicos, zelando pelo dia-a-dia dos guairenses na saúde, na educação, na infraestrutura, na habitação (quem leva fama é quem entrega as chaves) , na assistência social (apesar dos escândalos de Maria) e preservação urbana de parques e jardins. Falta precificar, é claro, as lambanças no Deágua. “É a zeladoria, estúpido”!
NÃO AOS CURTOS
Na imagem deste post, capa do livro “Biografia do Abismo”, repousando em minha escrivaninha. Definitivamente, não é uma obra para jecas. Assim como não são meus artigos que, por origem e escolha, dispensan os burros, os preguiçosos e os curtos de cognição.
A coluna Marketing Político faz parte do conjunto de séries de artigos temáticos do autor e integra o ecossistema de crítica, opinião e análises também formado por “Por trás das cortinas” (Facebook e TikTok), “Periscópio do Planalto” (Facebook e Linkedin) e “Luneta do Planeta” (Facebook e Linkedin).